sábado, 22 de junho de 2013

TEXTO




Aeroporto

Carlos Drummond de Andrade
Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-la a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras e, a bem dizer, não se digne pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas intenções para com o mundo ocidental e o oriental e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.
Devo admitir que Pedro, como visitante, nos deu trabalho: tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou inoportuno. Suas horas de sono — e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia — eram respeitadas como ritos sacros a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da TV. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.
Objeto que visse em nossa mão, requisitava-o. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada sobre a razão íntima de seus atos.
Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhes conferia caráter necessário, de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.
Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.
Extraído de: Cadeira de balanço. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1976, p. 61, 62.


PROVA OBJETIVA/ INDIVIDUAL. (Grupo 5/ turma 5)
Situação de Aprendizagem: No Aeroporto
Objetivo: Compreensão global do texto.

Com o texto em mãos, após leitura atenta, responda às perguntas corretamente, mostrando que entendeu o texto lido: (Obs: Cada questão tem valor 1, totalizando 10 pontos.)
1)      Quem é o personagem principal?
2)      Onde se passou a história?
3)      Descreva o personagem Pedro?
4)      O que Pedro costumava fazer com os objetos alheios?
5)       No 2º parágrafo podemos encontrar a descrição psicológica de Pedro.  Baseando-se nisso, descreva o comportamento dele:
6)      Segundo o narrador: “Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho...” Por quê?
7)      O foco narrativo está em:
  (     ) 1ª pessoa           (     ) 3ª pessoa   
Retire do texto um trecho que comprove sua resposta.
8)      Qual é o tema abordado no texto?
9)      Este texto pertence ao gênero:
(    )conto                             (    )fábula                                    (    )crônica
10)   Assinale a alternativa em que todos os itens pertencem a tipologia narrar:
a)      (    ) modo de fazer, ingredientes, tempo de preparo:
b)      (    ) estrofe, versos, personagem:
c)       (    )personagem, tempo, espaço.

OBS: OS ALUNOS COM DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA FARÃO A AVALIAÇÃO NA LINGUAGEM NÃO-VERBAL, DESENHANDO NA MESMA SEQUÊNCIA AS QUESTÕES PROPOSTAS, QUE SERÃO LIDAS PELO PROFESSOR.

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